11/12/2014

Contos diminuto #1


Saudação leitores!
     Hoje eu vou disponibilizar para vocês uma porção de contos diminutos que eu achei no diminuto.me, então vamos lá e espero que gostem.

Coisas de minha mulher

     Tudo bem ser roubado. Quer dizer, morar em cidade grande é realmente complicado ainda mais em um país cuja desigualdade social aumenta a cada dia e as pessoas entram de cabeça nesse capitalismo irrefreável que consome a todos, se é que me entendem. Mas roubar meus óculos de grau já é sacanagem. Mais sacanagem ainda é me deixar com o celular, já que não consigo enxergar a tela direito. Isso só pode ser coisa da minha mulher.
Marcos Nunes


Amarelo manga

Vivia sempre preocupada. Andava olhando para o chão para não escorregar. Tomava remédio um dia antes para não gripar. Vigia aí pra ver se não vou ser assaltada, dizia. Tinha sempre um número de emergência anotado num papelzinho no bolso da calça. Em casa, fazia de um tudo para não levar choque, nunca sequer comprou faca afiada. Um dia, por deslize, escorregou numa casca de manga e caiu com tudo no chão. Ainda estatelada na calçada, ela viu de ponta- cabeça a meninada toda da rua se revirando, as mãozinhas lambrecadas de amarelo e riso. Atravessou a rua no lugar errado. Foi viver.
Déborah Gouthier

Filho Bastardo

Marcinha era uma neguinha danada que só. Deixou de ser sapeca quando conheceu Evaldo, negro robusto, galanteador, mas que não confiava em branco. Ficava sempre com uma pulga na orelha quando conhecia alguém mais claro que ele. Por isso, o único problema que tinha em relação à futura esposa era a amizade que ela mantinha com César, um loirinho todo metidinho. Ele, porém, não podia fazer nada. Marcinha e César eram praticamente irmãos, foram criados juntos. ‘Depois do casamento, essa relação dos dois termina’, pensava Evaldo. E o tão esperado dia chegou. Evaldo e Marcinha se casaram, curtiram bastante a lua de mel e, nove meses depois, o presente: um menino, loirinho, com cara de metidinho.
Arthur Porto

A rotina um metro abaixo

Acorda só porque estão empurrando a mamadeira que ele não quer mamar mais. Enquanto abre os olhinhos, começa a reconhecer os primeiros personagens do desenho na TV. Vestido de Buzz e com chinelos no pé, preocupa-se com a chuva: se está lá fora, molha os brinquedos e o torna refém do sofá; se não está, acabou-se a preocupação matinal. A escola é o maior dos desafios, afinal, não é todo coleguinha que ele queria aturar. Não tem o colo da mãe, os olhos de censura do pai nem o amor dos avós, então é a parte do mundo que habita sozinho. E come pipoca, e ri, e chora, e cai, e nem sempre levanta sem bronca. Reza antes de dormir, promete pra Deus que vai ser um bom menino e que não vai desobedecer tanto - só o pouquinho necessário para ser criança.
Nathália Pontes

Abraço

Enquanto as pessoas passam por mim, por que não falam? Alguém poderia interromper o andar, abrir um vinho e dizer que o dia foi uma merda. Ou foi maravilhoso. Só gostaria de ser abraçada no meio da neblina, diante de braços sem mãos. 
Quando os primeiros pingos caíam e eu me escondi na loja de roupas, ele chegou. Um homem idoso que, como vim a saber, estava mais baixo do que já foi. Tudo cai, minha filha – ele me disse, de maneira espontânea. Olhou para o mesmo lado que eu. 
- Não sei do que gosta de ler, mas há coisas interessantes. Uma vez alguém escreveu: a vida é tão perigosa chega a ser letal, ninguém sobrevive. 
E eu senti seus dentes agarrarem meu pescoço. Foi embora. Assim como a água. Em qual outra cidade a solidão acaba na chuva?
Catherina Gazzoni

Detalhes

Ela fecha os olhos e acompanha a música, sem soltar a voz. Cecília tem o cabelo comprido, os traços delicados e um lábio desenhado. Linda. Enquanto segue para a aula de matemática financeira, escuta Nina Simone. Seu olhar, a todo momento, está longe - muito distante da paisagem. Nem triste, nem feliz. Cecília apenas está vivendo um dia como outro qualquer. A única diferença é que ontem começou a fazer Pilates. Adorou. Parece que tudo está nos trilhos. Tem um bom emprego, tempo, dinheiro e um namorado lindo e inteligente. As vezes, no escuro da madrugada, Cecília coloca os fones de ouvido, liga a música bem alta e vai para a frente do espelho. Canta, canta e canta. Se sente uma verdadeira cantora. Cecília é muda.
Lucas Rossi

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